O que tem a ver consentimento e vigilância? Diálogos especulativos com Joana Varon

Como os debates feministas sobre consentimento e corpo podem ajudar nas discussões sobre dados pessoais e vigilância? Esta é uma reflexão proposta por Joana Varon, diretora executiva da Coding Rights, organização liderada por mulheres dedicada a promover a compreensão sobre o funcionamento de tecnologias digitais e expor as assimetrias de poder que podem ser ampliadas por seu uso.

Para Joana, quando se fala sobre vigilância e capitalismo de vigilância, há uma tendência de que as pessoas permaneçam com um discurso distópico e, com isso, há o risco de não conseguirem imaginar alternativas e futuros possíveis. “Às vezes é pouco deprê, então, nas minhas falas, eu tento trazer reflexões das teorias feministas para pensar o consentimento”, explica.

Neste sentido, falar sobre consentimento é pensar sobre o corpo físico das pessoas, sobretudo das mulheres, mas também o corpo digital, composto pelos dados pessoais. A pesquisadora afirma que fazer esta ampliação conceitual e refletir simultaneamente sobre corpos e dados é uma tentativa de utilizar o debate feminista para qualificar o consentimento na Internet, dado pelas pessoas nas plataformas digitais, para que ele não seja apenas o ato de clicar em um botão concordando com um texto frequentemente não lido.

Em artigo divulgado pela Coding Rights, Joana Varon e Paz Peña exploram a questão. ‘Se consentimento é uma função de poder, não são todos os atores que têm a habilidade de negociar ou rejeitar a condição imposta nos Termos de Serviços e Políticas de Privacidade das plataformas. Neste contexto, ao invés de realmente “concordar” com o uso de nossos dados pessoais, o que a maioria das pessoas está fazendo é simplesmente “obedecer” à vontade das empresas. Dessa maneira, confrontando a fantasia de que as tecnologias digitais necessariamente funcionam como veículos de empoderamento e democracia, o que temos são sociedades onde o controle é validado por um contrato ou um botão brilhante de “concordo”’, refletem.

De acordo com Joana, esta junção de debates faz parte de um projeto mais amplo da organização, que pretende mobilizar imaginários para pensar futuros especulativos de tecnologias que sejam pautados em valores transfeministas. “Consentimento qualificado é um deles, mas existem outros, né? A cooperação, a solidariedade, o não-binarismo de gênero e por ai vai. Para trabalhar essas ideias, nós estamos desenvolvendo um oráculo, um oráculo transfeminista para fazer estas dinâmicas de idealizar futuros alternativos, com valores transfeministas, e sair um pouco deste lugar [de inércia]”, completa ela.

Parte destas discussões está disponível na pesquisa “Consentimento ao nossos corpos de dados: lições das teorias feministas para reforçar a proteção de dados”, em inglês e em breve em português. “Concebida mais como uma provocação do que como uma receita de como solucionar o problema, a pesquisa é uma tentativa de contribuir para o debate da proteção de dados, que parece retornar frequentemente para uma ideia liberal e universalizante do conceito de consentimento. Essa abordagem já se provou como sendo chave para condutas abusivas de diferentes atores de poder”, afirmam Joana e Paz Peña.

VI Simpósio Internacional LAVITS

Estas reflexões, sobre “Consentimento na Internet: lições do feminismo para reforçar nossa proteção de dados”, foram apresentadas por Joana Varon em sessão temática do VI Simpósio Internacional LAVITS, realizado em Salvador entre os dias 26 e 28 de junho, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Esta edição do Simpósio – promovido pela Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS), pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/ UFBA) e pelo Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura (GIGA/ Facom/ UFBA) – se propôs a debater Assimetrias e (In)Visibilidades: Vigilância, Gênero e Raça, na ocasião em que a Rede LAVITS completa dez anos.

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