Marta Peirano fala sobre o fim da neutralidade da rede como a conhecemos e o início de uma era mais opaca

Em sua conferência durante o 5º Simpósio Lavits, Marta Peirano falou sobre topografias de rede e a importância dos vínculos comunitários para a resiliência da infraestrutura da internet. “Acredito que é importante que as redes de comunicação pertençam à cidadania”, defendeu a jornalista e escritora. Para puxar uma extensão dessa conversa, ela responde aqui algumas questões que guardamos como uma memória desse encontro.

 

Uma metáfora frequentemente usada para falar de internet é a da autoestrada, como se ela pudesse ser definida pelo fato de que ali as informações “viajam” com mais velocidade. Você fala da internet em termos de arquitetura urbana, o que permite pensar nela como um fluxo que possui intersecções, ou seja, mais de dois sentidos, além da ida e da volta. De que modo isso as substituição das metáforas poderiam ajudar a disseminar a noção da vulnerabilidade desses fluxos de informação? 

Acredito que as metáforas são um dos nossos principais problemas, incluindo a das autoestradas da informação. Porque nos impedem de entender o funcionamento das infraestruturas e essa cegueira nos converte em vítimas fáceis da desinformação e da manipulação. Acredito que uma compreensão geral do sistema é fundamental para se proteger dos abusos do sistema. Sem essa visão somos todos os analfabetos do século XXI.

 

Em um dos seus textos no diário você diz que a dependência que temos da internet comercial se converteu em uma vulnerabilidade. Você entende que essa conversão aconteceu em algum momento específico? 

A Internet não é libre nem democrática nem nunca foi. Tampouco tem sido neutra. As infraestruturas de rede são limitadas e pertencem a um número limitado de empresas. Os primeiros cabos submarinos pertenciam a grandes consórcios de empresas estatais, seguindo o modelo que caracterizou o desenvolvimento de infraestruturas do século XX como o telefone, o telégrafo, as redes ferroviárias, etc. Porém, com a bolha no final dos anos 90, essas empresas se privatizaram e muitas outras se arruinaram, eliminando a jurisdição estatal sobre as telecomunicações. Os novos projetos pertencem fundos de investimento árabes ou a gigantes como Google e Facebook. A rede nunca foi livre mas agora é menos que em qualquer outro momento, e o fim da “neutralidade” tal como a conhecemos marca o princípio de uma era mais obscura, de mais opacidade.

 

Seus trabalhos dizem respeito tanto aos aspectos macroestruturais quanto indicam modos de se proteger individualmente na internet – caso do pequeno livro roxo do ativista em rede. Você considera que há possibilidades para aqueles que você chama de “dissidentes” contidas na infraestrutura atual da internet comercial?

Acredito que o final da neutralidade da rede marca uma nova era, para mal mas também para o bem, porque a perda dessas estruturas para a cidadania tem alavancado o interesse pelos projetos de infraestruturas cidadãs. Em projetos baseados na construção de cada membro é um nó e a rede cresce de maneira orgânica, aumentando, redistribuindo sua capacidade, sua responsabilidade e sua potência com cada nó que se incorpora. Não apenas porque é a única resposta possível para o controle governamental e a espionagem massiva, mas porque é a única capas de res responder aos desafios do aquecimento global. Quando chegar o desastre – e sabemos que chegará, é melhor que não nos aconteça como o que se passou em Nova Orleans com Katrina e em Porto Rico com Irma e Harvey, de onde seguem majoritariamente desconectados porque todas as infraestruturas arrasadas pelos furacões pertencem a uma empresa estadunidense que tem outras prioridades. Nossos sistemas devem ser comunitários e distribuídos, muito menos vulneráveis e facilmente reconstruíveis pela comunidade.

 

Você postou no twitter sobre como o fim do mundo é um dos seus assuntos preferidos. Você acha que há algo de fascinante na perspectiva do fim do mundo? 

É um dos meus temas favoritos porque revela muito sobre nossa sociedade. Agora mesmo, o retrato que emerge é o de uma sociedade aterrorizada que reza para que um milagre nos salve antes do desastre. Por exemplo, uma arca de Noé que nos levará a Marte, um projeto de geo-engenharia que dissolverá o dióxido de carbono, o projeto de mapa cerebral que nos permitirá viver eternamente conectados a um computador. Somos capazes de crer em qualquer coisa contanto que não mude nada. O certo é que as grandes empresas tecnológicas estão trabalhando nas colônias, mas não para nos levar até Marte e sim para sobreviver aqui, quando a terra for Marte, um planeta hostil com uma atmosfera irrespirável. Não é necessário acrescentar que nessas colônias não caberemos todos.

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