“A internet está em questão”, é o que afirma o cientista social Sérgio Amadeu. Para ele, especialmente após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e da onda de fake news, desinformação, discursos de ódio, misoginia e neofascismo, que cresceu internacionalmente, há pelo menos três crises na internet hoje.
De acordo com o pesquisador, entretanto, os conflitos vêm se acirrando há anos. “A internet gerou muitas esperanças. Aquele projeto que a gente apelidou de AI-5 digital [Lei Azeredo] queria transformar práticas cotidianas dos brasileiros em crimes. Era uma pressão do governo americano, depois do 11 de setembro, pra criminalizar a internet, pra evitar o compartilhamento de arquivos e nós pensamos em um marco que não fosse penal, mas um marco civil. Hoje, novamente, a internet está em questão”, lembrou Amadeu.
Para ele, a primeira crise da internet diz respeito a questão da rede distribuída. O pesquisador se lembra que por muito tempo vigorou uma crença coletiva de que bastava uma rede distribuída para que os mecanismos de controle ficassem fragilizados. “A gente achava que por ser uma rede distribuída ela seria democrática e aí nós descobrimos o seguinte: uma coisa é a democracia, outra coisa é a distribuição. Sem dúvida nenhuma uma rede distribuída pode ser democrática. Posso mobilizar, fazer um contraponto aos neofascistas, chamar manifestações. Sem dúvida pode ser mais democrática, mas pode distribuir outras coisas também. Ela distribui a vigilância, o controle e a perseguição, coisas muito perigosas para os direitos humanos”, analisa.
A segunda crise é a crise da participação. Amadeu diz que também havia um entendimento coletivo de que quem era participativo tinha uma conotação ética. Entretanto, a atual conjuntura política e social mostra que esta não é uma relação intrínseca. “Eu sempre falei que não, mas no fundo eu achava que sim. Na verdade, hoje nós vemos a participação de gente que é contra a democracia, contra a diversidade, contra todos os valores éticos, e que estão mobilizando hordas e hordas de neofascistas. Isso gerou um efeito na velha guarda da política, que é de ser contra a participação e eu não sou contra a participação. Nós precisamos participar mais. O antídoto contra a participação dos neofascistas é a gente aumentar a nossa participação. Não é não participar ou defender saídas autoritárias e tecnocráticas. A tecnocracia e o autoritarismo não nos salvarão”, conclui.
A terceira crise da internet, para Sérgio Amadeu, é sobre o livre fluxo de dados. “A terceira crise é a crise do livre fluxo de dados. Nós achávamos que o livre fluxo de dados era importante para a democracia. Está acontecendo um problema grave e eu vou direto na veia. Universidades públicas estão hospedando toda a infraestrutura de dados da universidade na nuvem. Nuvem é um servidor dentro de um Data Center em um país do Norte. Isso chama-se nuvem. Há uma nova colonização, a dos dados”, analisa ele. «Nós estamos enfrentando uma situação muito grave. Há uma concentração muito grande de dados e as concentrações geram um poder econômico descomunal», encerra.
As reflexões foram apresentadas no No VI Simpósio Internacional LAVITS, realizado entre os dias 26 e 28 de junho, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Esta edição do Simpósio – promovido pela Rede Latino-americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS), pelo Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/ UFBA) e pelo Grupo de Pesquisa em Gênero, Tecnologias Digitais e Cultura (GIGA/ Facom/ UFBA) – se propôs a debater Assimetrias e (In)Visibilidades: Vigilância, Gênero e Raça, na ocasião em que a Rede LAVITS completa dez anos.