Para que precisamos de um laboratório? Próximos passos do Laboratório do Comum Campos Elíseos

 

Texto originalmente publicado no site do Pimentalab

 

Para que precisamos inventar um laboratório?

Para investigar coletivamente os problemas que nos afetam e para conhecer e inventar modos de associação que ampliem nossa capacidade de existir, co-produzir e co-determinar nossas vidas. Nesse percurso é também necessário fabricar esse “laboratório”. Ao fazê-lo damos forma ao Comum que produzimos e que desejamos cuidar. É isso que nos constituí enquanto coletivo de praticantes: uma comunidade cognitiva e política em torno de um Comum.

Noutro post descrevemos algumas características que reconhecemos na constituição de um Laboratório do Comum [https://trama.pimentalab.net/archives/70]. Todavia, dada sua natureza processual-relacional, a concretização de um Laboratório do Comum requer sempre a combinação dinâmica entre uma estrutura (minimamente recorrente) e os processos e conteúdos singulares que seus participantes aportam. Noutras palavras, cada laboratório é o resultado de uma individuação coletiva, uma constelação feita da composição singular entre forças, desejos, estruturas, diferenças,vulnerabilidades,afetações e resistências…

Inicialmente pensamos o laboratório como um experiência de disparação de iniciativas coletivas de pesquisa-ação e modos de associação, em territórios específicos, orientadas para a produção do Comum. Na forma de um “projeto” concebemos o laboratório com uma duração limitada (8 encontros). Ele não se propõe a ser uma ação acabada ou conclusiva, é algo tentativo e aberto, um momento numa travessia [Sobre o Projeto: https://trama.pimentalab.net/archives/31].

Realizamos uma convocatória com algumas características. O projeto parte de um enunciado, um problema que imaginamos coletivo: vivemos um momento de intensificação das formas de apropriação e expropriação do Comum, de recrudescimento autoritário, de expansão dos dispositivos neoliberais de individualização, mercantilização e securitização da vida. Confrontamo-nos com o colapso ambiental, com formas cotidianas de regulação, disciplina, vigilância e extermínio de alguns corpos indesejados-perigosos-abjetos assim como a própria intensificação da violência do Estado práticas machistas, racistas e homofóbicas, com um esgotamento cotidiano da vida na metrópole. Ainda assim, [re]existimos e reinventamos continuamente nossas formas de vida. Como viver juntos? Como potencializar os modos de vida que desejamos fazer proliferar? Como dar suporte, infraestruturar, inventar arranjos sociotécnicos, regimes de sensibilidade que nos fortaleçam? O laboratório surge como um espaço-tempo pra gente refletir e experienciar coletivamente essas coisas [Texto da Convocatória: https://trama.pimentalab.net/archives/26]

A convocatória visava interpelar pessoas afetadas por essas questões. Feito o chamado selecionamos um agrupamento de aproximadamente 45 pessoas (dentre 65 inscritos). Enviamos um primeiro questionário aos selecionados para ajudar a desenhar o primeiro encontro presencial. Através do questionário pretendíamos visibilizar: as vulnerabilidades que nos afetam; os desejos que nos movem para o encontro e o que imaginamos ou gostaríamos de criar e fazer juntos [Questionário-Respostas].

A escolha de iniciar pela investigação de nossas vulnerabilidades é importante. Ela permite que pensemos o mundo com nossos corpos, que assumamos uma perspectiva parcial e situada na produção de conhecimento – se estamos todos vulneráveis não há perspectiva privilegiada. Também funciona como um antídoto para evitarmos falar dos problemas “dos outros”, sobre os quais devamos atuar. Trata-se de investigar os problemas que nos afetam, que nos dizem respeito e pelos quais também somos responsáveis.

As respostas ao questionário permitiram que elaborássemos quatro vetores (tópos). Partimos sempre do problema enunciado na convocatória (acima) para refletir como ele se manifesta nas seguintes dimensões: Tempo (as formas de extração, dispersão, esgotamento, apropriação do nosso tempo vital e do nosso tempo com outros, o tempo invisível do trabalho reprodutivo); Corpo (saúde, cuidado, doença, formas de individualização, exposição e medo); Modos de Associação (experiências coletivas que conhecemos, formas de ações coletiva que imaginamos e desejamos criar); Poder (como ele se manifesta, suas técnicas e tecnologias, os atores, seus locais de atuação, sua produção de subjetivações).

Tais vetores foram organizados na forma de “estações”. As estações são lugares para pensar em companhia, uma possibilidade de encontro e conversa. Em cada estação formaram-se grupos de aproximadamente 10 pessoas que deveriam conversar por 10 minutos sobre o tema/problema e tomar nota coletivamente num papel craft deixado sobre a mesa. A cada 10 minutos as pessoas deveriam se mover para uma outra estação e formar um novo grupo de conversação, de maneira que ao final de rodízio todos tinham passado pelas 4 estações. Para cuidar da conversação e do trabalho de mediação sugerimos a distribuição de funções/papéis entre os participantes, fazendo uso de um baralho com atributos previamente indicados a cada carta [Papéis no Baralho].

As anotações deixadas nos papéis crafts foram posteriormente transcritas e serviram de insumo para novas reflexões [Transcrições Notas Crafts]

Ao final fizemos um rápido balanço da atividade. Dois aprendizados: 1. a forma de realização do registro no papel craft foi insuficiente para apreender a qualidade da discussão que aconteceu nos grupos; numa outra situação seria melhor que tivessemos uma pessoa fixa e dedicada em cada Estação que pudesse ficar responsável pela documentação. 2. O uso do baralho gerou confusão, mas a descrição e distribuição dos papéis que sugerimos para uma dinâmica coletiva ajudaram a deixar mais presente a importância da mediação para a autogestão de cada grupo.


O momento que adentramos agora (passagem do primeiro para o segundo encontro) é talvez o mais importante em termos das trajetórias virtuais que serão ativadas e do possível desenho que o laboratório irá assumir. Se desejamos praticar um saber-fazer habitar, se desejamos cuidar, acompanhar e fortalecer o que está emergindo no encontro, temos que cultivar uma atenção à “potência da situação”. Em oposição ao saber-poder governar, não pretendemos moldar a situação a um projeto pré-concebido, não se trata de um problema de tática ou estratégia. Ao mesmo tempo, é um momento de tensão onde meios e fins são inseparáveis. É a hora do preparo na cozinha, de fazer com os saberes e ingredentes que temos à mão.

Voltamos às perguntas fortes: Como reativar uma possibilidade de inteligência coletiva? Como convocar saberes e práticas coletivas que nos permitam imaginar e disseminar alternativas a esse cenário? Como produzimos e sustentamos o Comum entre todos?

Nossa proposta é que possamos sustentar nos oito encontros uma investigação coletiva entre todxs, tendo como problema de fundo o enunciado da convocatória. Mas como somos muitxs, sugerimos que também aconteça um trabalho em coletivos menores para que as conversas e os vínculos possam ser melhor aprofundados e cuidados. Em grandes coletivos é fácil reproduzirmos as diversas assimetrias que nos atravessam.

Na situação atual temos novos elementos que foram aportados pelxs participantes. Cada um de nós possui conhecimentos, práticas, desejos, experiências e corpos portadores de singularidades aos processo. Essas diferenças se apresentam nas cartas de inscrição de cada um, nas respostas ao questionário online e também nas contribuições das discussões do primeiro dia. Ainda assim, cada um de nós conhece muito pouco sobre o outro. Mas essa é a situação do nosso encontro e ela tem inúmeras possibilidades. Como trabalhar coletivamente a partir daí? O primeiro desafio que visualizamos e que esperamos atravessar no segundo dia, é a formação dos sub-grupos.

Para que possamos atuar coletivamente sobre esse desafio em nosso próximo encontro sugerimos uma infraestrutura mínima de ação para o percurso do Laboratório.

Imaginamos um percurso de pesquisa coletiva (no grupão e nos coletivos menores) em três momentos:
*Conhecer melhor o problema;
*Reconhecer e mapear as potências de criação e produção do Comum já existentes: conhecimentos/saberes; práticas; espaços, pessoas
*Imaginar/prototipar modos de promoção/fortalecimento das potências identificadas.

Há também algumas condições que balizam a convocatória e que servem de liga para nosso encontro. São elementos que de alguma forma nos colocaram juntxs até aqui:
*Habitamos e pensamos com os pés em territórios vizinhos (Campos Elíseos, Sta Cecilia, Barra Funda, Luz).
*Investigamos problemas que nos afetam.
*Praticamos uma investigação coletiva para entender melhor um problema;
*Desejamos aprender a fazer e construir coisas juntxs, com nossas diferenças e com aquilo que temos disponível
*Queremos cuidar do processo, da linguagem e das formas de estar juntxs nesse percurso e na relação com xs outrxs.

Em nosso próximo encontro (10/10), a partir dessa infraestrutura e convenção mínima pretendemos mapear, sistematizar e compor diferentes propostas-idéias de pesquisa-ação (sempre a partir da pergunta guarda-chuva) e distribuí-las em sub-grupos. A forma de composição dos grupos terá que ser construída coletivamente. Imaginamos que ela poderá acontecer a partir da composição e síntese das propostas dxs participantes. Há um grande pergunta de fundo e diversas possibilidades de investiga-la e experimenta-lá.

Atentando sobre os aspectos da produção do Comum e suas manifestações no território e em nossas vidas, algumas idéias/perguntas já nos ocorrem: 1) como a dimensão do cuidado/corpo/saúde/reprodução passa por esse problema? 2) Como esse problema afeta e produz regimes de sensibilidade? 3) Como esse problema incomoda ou pode incomodar o poder e quais as alianças ele nos exige fazer? 4) Como esse problema contorna o regime de propriedade pública ou privada? 5) Como esse problema se coloca na crise ambiental que vivemos? 6) O que esse problema nos diz sobre os dispositivos racistas e heterosexistas que ameaçam determinadas populações? 7) Como as tecnologias digitais participam do exercício do poder, da produção e extração de valor, e quais as formas de resistência que podemos praticar?

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