Entre os dias 26 e 28 de junho, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, recebe pesquisadores de diversos países para o VI Simpósio Internacional LAVITS, que nesta edição debate “Assimetrias e (In)visibilidades: Vigilância, Gênero e Raça”. Entre os nomes de destaque está o de David Lyon, que apresentará palestra intitulada “A ascensão de empresas privadas de vigilância internacionais: ameaças à sociedade civil”, em que discutirá como essas empresas vêm sendo utilizadas por governos para atacarem ações da sociedade civil.
Em seguida, serão exibidos três filmes produzidos pelo Surveillance Studies Centre (SSC) da Queen’s University, do Canadá, centro de pesquisa de que Lyon é diretor. Os filmes da série Screening Surveillance são produções de ficção voltadas ao público leigo e com material didático que permite seu uso educacional. A atividade acontecerá no dia 27 de junho, a partir das 18h no auditório 2 (PAF 5) e será mediada pela pesquisadora Simone Browne.
Lyon é professor emérito de sociologia na Queen’s University. Formado pela Universidade de Bradford, na Inglaterra, o pesquisador estuda vigilância desde a década de 1980. Creditado com a liderança deste campo de estudos, ele produziu um fluxo constante de livros e artigos que vão desde o já clássico The Electronic Eye (1994) , passando por Surveillance Society (2001), Surveillance after September 11 (2003), Surveillance Studies (2007) e Liquid Surveillance (com Zygmunt Bauman, 2013). Sua publicação mais recente é The Culture of Surveillance (Polity, 2018) e atualmente está trabalhando em Surveillance: A Very Short Introduction (Oxford).
Atualmente Lyon é pesquisador-chefe do projeto Big Data Surveillance, financiado pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades do Canadá e vem analisando o escopo e o impacto da vigilância de comunicações de “segurança nacional” dependente de big data, na esteira das revelações de Edward Snowden.
O evento
Interessada em promover uma agenda propositiva, a Rede LAVITS quer estimular um espaço interdisciplinar de debates e de intercâmbio de conhecimentos sobre as relações entre tecnologias de vigilância e a reprodução de assimetrias na América Latina, especialmente aquelas relacionadas à discriminação socioeconômica, racial e de gênero. A organização do evento pretende, em três dias de intensa programação, abrigar intervenções artísticas, oficinas, sessões livres e trabalhos individuais que amplifiquem as temáticas trazidas pela Rede em 2019.
Ainda que a crescente presença de processos de vigilância nos espaços urbanos, informacionais e sociais seja um fenômeno global, suas inscrições locais comportam singularidades que merecem ser pesquisadas e debatidas. Sabe-se que na América Latina, e no Brasil em particular, as tecnologias e práticas de vigilância e controle são historicamente atreladas a estruturas coloniais, estatais e econômicas de produção de desigualdades, segregação ou mesmo extermínio de populações específicas, especialmente, indígena e negra. Sabe-se, igualmente, que a criminalização da pobreza vem sendo reproduzida em diferentes momentos da história latino-americana e brasileira, tornando territórios, comunidades e populações pobres alvos privilegiados da violência, vigilância e controle por parte do Estado. Ao mesmo tempo, são historicamente conhecidas as diversas formas de controle e vigilância sobre o corpo e a vida das mulheres.
Apesar da evidência de todos esses processos, os estudos de vigilância ainda não lhes dedicaram a devida atenção. Essa edição do Simpósio Internacional LAVITS pretende contribuir para o enfrentamento dessa lacuna, levando em conta tanto as heranças históricas da relação entre vigilância, gênero e raça, quanto os seus desdobramentos contemporâneos. As atuais arquiteturas, dinâmicas e tecnologias de vigilância persistem sendo marcadas por uma forte assimetria, vigiando, controlando e punindo certos grupos e garantindo a segurança, o conforto e a mobilidade de outros. Os avanços da biometria, da vigilância algorítmica, dos sistemas de reconhecimento facial, da captura e análise massiva de dados pessoais para a produção de perfis comportamentais e microtargeting, entre muitos outros exemplos, vêm reforçando as inquietações com a reprodução de desigualdades, preconceitos e discriminações. Lógicas de poder similares são reproduzidas nas cidades, no campo, no controle de fronteiras e no espaço informacional.
Pretende-se ainda discutir como a produção de assimetrias alia-se a um complexo regime de (in)visibilidades. Na busca pelo aparelho que permite ver melhor, mais longe, mais perto ou ver de verdade, o olhar vigilante produz norma, padrão, apagamentos e silenciamentos. Os aparatos de vigilância e controle persistem operando entre a invisibilidade dos sujeitos e corpos subjugados e a hipervisibilidade do corpo negro ou indígena racializado, do corpo sexualmente mercantilizado da mulher ou do corpo transexual hostilizado. Tais regimes de (in)visibilidade articulam-se a arquiteturas de violência que tornam alguns mais suspeitos, mais perigosos, mais indesejáveis, mais matáveis que outros. Compreender as heranças e atualizações dessas assimetrias e invisibilidades, bem como explorar e analisar as formas que elas assumem nos aparatos contemporâneos de vigilância visa não apenas preencher uma lacuna na produção de conhecimento, como também abrir novos horizontes e práticas de pesquisa e de debate público e científico sobre o tema.
As informações sobre o evento estão disponíveis aqui: www.lavits.ihac.ufba.br
A Rede
A Rede LAVITS (Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade) foi fundada em 2009, contando com membros de ao menos 14 instituições de quatro países latino-americanos (Brasil, Argentina, México e Chile) e um país europeu (Bélgica). Com histórico de realização de simpósios internacionais em diferentes países latino-americanos (como México, Argentina, Chile e Brasil), a LAVITS retorna ao Brasil em 2019, para a cidade de Salvador (Bahia), apropriadamente situada para as discussões sobre assimetrias e (in)visibilidades.