O anúncio do novo cartão de identidade, DNI (Documento Nacional de Identidade), que será válido a partir de 2015, vem despertando críticas e preocupação em relação à garantia da privacidade e ao poder de controle do Estado argentino sobre os cidadãos. A causa principal é o grande número de informações que o documento armazenará. O novo DNI terá um chip com dados de identificação que incluirá vínculos familiares, as impressões digitais de todos os dedos das mãos e a assinatura digital. O cartão também terá um segundo chip, onde serão armazenados dados do histórico médico, da previdência social e da utilização do transporte público.
Segundo Andrés Pérez Esquivel, pesquisador que integra a Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) a implantação do novo documento torna a Argentina um caso único no mundo. Mesmo em países que estão adotando sistemas de identificação digital nenhum tem um programa tão abrangente e centralizado: “não conheço outro país que inclua tantas informações em seu cartão de identidade, que tenham caráter obrigatório e se estendam a toda a população”.
Além da abrangência de informações, outro aspecto apontado pelo pesquisador é a utilização desses dados pelo governo. Em 2011, foi criado por decreto a Base Nacional de Dados Biométricos (Sibios), que é utilizada pelas forças policiais para a investigação de crimes. Essa base ainda não possui mecanismos de controle e regulamentação e vem sendo alimentada com as informações do DNI atual, implementado em 2009, que não tem chip e possui um número menor de informações.
Com o novo DNI, a base Sibios conterá ainda mais informações, inclusive dados sobre mobilidade dos cidadãos, a partir do chip de rádio frequência e da utilização do transporte público. O acesso a todas essas informações de maneira unificada poderá fazer com que as investigações pós-delito se transformem em previsões de delito, onde “cada cidadão poderia ser considerado um potencial perigo para o Estado e para a sociedade, pondo em dúvida o princípio da inocência”.
Diante de todos os riscos envolvidos, Andrés Esquivel defende que as novas tecnologias não devem ser adotadas sem antes haver um amplo debate com a sociedade e a criação de leis para regular seu uso. No entanto, nem isso poderá garantir totalmente a inviolabilidade dos dados ou impedir que seu uso traga prejuízos sociais. Mesmo havendo uma lei que garanta a segurança e os direitos dos cidadãos, nenhum Estado estaria livre da corrupção e nenhuma tecnologia seria completamente segura. O pesquisador lembra que as leis podem mudar ou serem suspensas, ou um país com mais poder pode conseguir acesso aos dados através da pressão política. Portanto, seria preciso haver um debate sobre como e quais dados armazenar, para limitar a quantidade e a obrigatoriedade de informações fornecidas e evitar a centralização em uma única base de dados.
Por Ana Paula Zaguetto
Publicada originalmente na revista eletrônica Com Ciência (31/07/2014)