Nos dias 29 e 30 de abril, o Surveillance Studies Centre (SSC), da Queen’s University, no Canadá, realizou o workshop de pesquisa Data-Driven Elections (Eleições Orientadas por Dados), em que pesquisadores de diversos países puderam discutir as implicações da dataficação para as sociedades democráticas.
Rafael Evangelista, que é membro da Rede Latino-Americana de Estudos Sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (LAVITS), participou do evento e apresentou o artigo WhatsApp and political instability in Brazil: targeted messages and political radicalization (WhatsApp e instabilidade política no Brasil: mensagens segmentadas e radicalização da política), escrito junto da pesquisadora Fernanda Bruno, que também compõe a LAVITS.
O trabalho apresenta uma reflexão sobre como, nas eleições de 2018, a visibilidade nas plataformas digitais e a invisibilidade no gerenciamento das mesmas desempenhou um importante papel a favor das assimetrias de poder, no Brasil.
Brasil 2018: novas estratégias, velhas estruturas
Como apontam os autores do artigo, depois de uma ditadura militar que durou 21 anos e de um pequeno período de instabilidade política nos anos subsequentes, o Brasil teve seu cenário político hegemonizado pelos dois maiores partidos políticos nacionais, Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que ocuparam a presidência por 28 anos e tiveram atuações moderadas.
As eleições de 2018, contudo, alteraram os rumos da política e da democracia brasileiras. Ao eleger Jair Bolsonaro, o país surpreendeu tanto parte dos intelectuais e políticos locais, quanto internacionais, sobretudo por sua retórica radical, com afirmações misóginas e racistas, que poderiam abalar a imagem de qualquer candidato, no mundo, mas não o fizeram no Brasil.
São muitas as especulações que tentam compreender o sucesso eleitoral do atual presidente. Uma das hipóteses, apontada por Evangelista e Bruno, é da centralidade de uma campanha de comunicação que se utilizou vastamente de plataformas digitais, especialmente o WhatsApp, para dialogar diretamente com grupos de eleitores. A campanha de Bolsonaro e seus apoiadores criaram novos grupos e se utilizaram de fóruns já existentes para direcionar mensagens e gerenciar, de maneira oculta, tais agrupamentos.
Como lembram os pesquisadores, foi apenas na reta final do período eleitoral que a mídia denunciou o apoio ilegal de empresários, que pagavam por disparos em massa para a campanha do então candidato. O empresariado que o apoiava financiou serviços profissionais para espalhar conteúdos em grupos do WhatsApp, o que é uma prática ilegal em campanhas eleitorais, sem informar oficialmente aos órgãos competentes sobre esse apoio.
Quais as implicações deste novo tipo de estratégia política? De que modo ela contribui com as assimetrias de poder? Quais as implicações para a democracia? Essas são algumas questões que rondam esta reflexão e que estão presentes, de alguma maneira, na agenda política nacional e internacional.
Mais sobre o evento
O workshop Data-Driven Elections contou com contribuições de pesquisadores da América do Norte, América Latina e Europa. Depois das apresentações de artigos, no final do evento, houve um debate intitulado Brexit, Facebook and Cambridge Analytica: The reporting and investigation of a scandal (Brexit, Facebook e Cambridge Analytica: A denúncia e a investigação de um escândalo).
A discussão contou com a participação de Carole Cadwalladr, jornalista do jornal The Guardian, que recebeu o Prêmio Nacional de Imprensa “Jornalista de Tecnologia do Ano”, por sua atuação no caso do escândalo da Cambridge Analytica, e de Michel McEvoy, que é Comissário de Informação e Privacidade em BC, no Canadá, e atuou na investigação britânica do caso da Cambridge Analytica.