Por Antonio Martins (publicado originalmente no Outras Palavras, dia 08/12/2015)
A onda de ataque às liberdades civis, desencadeada em diversos países ocidentais após os atentados de Paris, ameaça agora atingir a internet. Na França, documentos do ministério do Interior, vazados pelo jornal Le Monde, propõe fechar as redes de wi-fi públicas e proibir o uso do software Tor, que permite navegar na rede sob anonimato. Nos EUA, o presidente Obama encontrou-se ontem (7/12) com Hillary Clinton, pré-candidata à presidência pelo Partido Democrata para debater medidas semelhantes. Ao final da reunião, lançaram um apelo às empresas de tecnologia do país, para que deixem de incluir, em suas plataformas e produtos, mecanismos de proteção à privacidade.
Apresentadas como proteção necessária contra a ação de grupos terroristas, as medidas podem ter um objetivo totalmente diverso. Primeiro, porque grupos como o Estado Islâmico (ISIS) parecem capazes de zombar das restrições ao uso da internet criadas contra eles, segundo revela hoje um texto do New York Times. Horas após os atentados de San Bernardino, em 2 de dezembro, diversos perfis do Twitter lançavam desafios jocosos aos norte-americanos. À medida que eram deletados, outros idênticos surgiam. Segundos depois que a 99ª conta foi suspensa, uma centésima, denominada @IslamicState100, exibia um bolo com cem velas, troféus e fogos de artifício… Em outros casos, como nos atentados de Paris, mostra o mesmo texto, os terroristas sequer usaram ferramentas de criptografia.
Porém, ela tem se mostrado cada vez mais importante para quem deseja defender causas políticas ou fazer denúncias, sem ser vítima de perseguição policial ou dos denunciados. Foi decisiva para que Edward Snowden, dissidente norte-americano, pudesse revelar a malha de espionagem sobre os cidadãos montada por agências de “inteligência” como a NSA. É vista como um direito humano pela própria ONU. “Criptografia e anonimato, separadamente ou em conjunto, criam uma zona de privacidade para proteger opinião e crença”, sustenta um documento recente de David Kay, relator especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos. Atingi-la “permite às agências de vigilância praticar um vasto arco de atividades indesejadas: espionagem científica, e econômica, ou monitoramento dos movimentos sociais”, acrescenta o cientista político francês Felix Treguer, um dos articuladores da organização La Quadrature du Net, que defende liberdade e privacidade na internet.
Uma das metas explícitas de grupos como o ISIS é destruir as liberdades individuais do Ocidente, vistas pelos fundamentalistas como sinal de decadência. Governos da França e dos EUA parecem estar empenhados em alcançar idêntico objetivo.