Treze princípios para controlar a vigilância apresentados em reunião da ONU

Hoje a Lavits (Rede Latino- Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade), o Gpopai (Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da USP), TransMediar / Pimentalab e Instituto Nupef juntam-se a uma enorme coalizão internacional convocando os países da América Latina para avaliar se as leis e as práticas de vigilância nacionais estão de acordo com as suas obrigações internacionais de direitos humanos.

Defendemos um conjunto de princípios internacionais contra a vigilância descontrolada. Esses 13 princípios (https://pt.necessaryandproportionate.org/text) publicizaram pela primeira vez um quadro de avaliação para repensar práticas de vigilância no contexto das obrigações internacionais para os direitos humanos.

Um grupo de organizações da sociedade civil apresentou oficialmente os 13 Princípios no último dia 20 de setembro, em Genebra, durante a 24 ª sessão do Conselho de Direitos Humanos. O evento contou com a participação de Navi Pillay, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e o Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade de Expressão e Opinião , Frank LaRue , e foi organizado pelas Missões Permanentes da Áustria, Alemanha, Liechtenstein, Noruega, Suíça e Hungria.

O contexto brasileiro

O problema da proliferação de mecanismos de vigilância no Brasil é de amplo espectro. É perceptível desde a ação do Estado como voraz coletor – e péssimo guardião – de dados pessoais e biométricos dos cidadãos até em conflitos, principalmente de classe, dentro da própria sociedade civil, por meio de dispositivos de coleta de imagem e outros dados que regulam o acesso a espaços privados. Com a informatização, a questão se tornou ainda mais complexa. Recentemente, foi revelado que a autoridade eleitoral nacional havia firmado um acordo que permitiria o acesso, por parte de uma empresa privada de informações sobre crédito, de dados de todos os eleitores brasileiros (vejam nota crítica da Lavits a respeito do caso). O país carece de legislação que dê proteção a dados pessoais armazenados eletronicamente e as propostas nesse sentido têm sido atacadas e postergadas indefinidamente. Líderes políticos e empresários mostram-se pouco conscientes sobre a fragilidade de segurança das comunicações eletrônicas que utilizam; e o debate público sobre o tema e suas implicações ainda é muito raro e limitado à academia e ativistas.

O lançamento dos “Princípios Internacionais sobre a aplicação do Direito Humano à vigilância das comunicações” vem num momento muito crucial para os países latino-americanos, especialmente o Brasil, que ainda tem um vazio legal em matéria de proteção dos direitos humanos no contexto das comunicações digitais. Esperamos que esta situação seja em breve contornada com a retomada das discussões sobre o Marco Civil da Internet brasileira, que neste momento tramita em regime de urgência no Congresso Nacional do Brasil.

Pelo menos três casos recentes enfatizam a necessidade urgente de se promover ações e debate público sobre os temas abordados pelos 13 Princípios: as evidências de que o governo e as empresas brasileiras têm sido sistematicamente alvo de programas de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) ; a expansão do uso de tecnologias e práticas de vigilância a fim de responder aos padrões internacionais exigidos pelos megaeventos esportivos que ocorrerão nos próximos anos – Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016); e casos recentes de monitoramento, vigilância e criminalização, pelos governos estaduais no Brasil, dos participantes de protestos políticos iniciados em junho de 2013 no país.

Ressaltamos, nos 13 Princípios, a importância da noção de “informação protegida”, atenta aos diferentes tipos de dados comunicacionais (como metadados, por exemplo) que hoje podem fornecer informações importantes e sensíveis sobre indivíduos.

Por fim, vale ressaltar a necessidade de fortalecer mecanismos para garantir a proteção dos dados pessoais e dos direitos humanos dentro de comunicação, não só contra intrusões do Estado, mas também frente a interesses comerciais do setor privado, bem como frente às alianças, cada vez mais frequentes e complexas, entre atores estatais e não estatais.

Os casos recentemente revelados de espionagem de Estados-Nação pela NSA foram transformados em um intenso debate na imprensa brasileira, especialmente por causa de evidências de que membros do alto escalão do governo brasileiro eram um alvo privilegiado, incluindo e-mails e chamadas telefônicas da presidente Dilma Rousseff, e a empresa pública Petrobras (uma das maiores empresas de petróleo do mundo). O monitoramento sobre a Petrobras demonstra claramente o uso estratégico e econômico de práticas de espionagem por agências estatais, como a NSA, para construir obscuras vantagens competitivas aos seus Estados de acolhimento. O caso descoberto em setembro de 2013 coincide com o momento em que a Petrobras estava organizando o leilão inicial de grandes reservas de petróleo, do qual participam empresas norte-americanas. O acesso à informação sobre a Petrobras e sobre o leilão pode influenciar as propostas e criar uma disputa desequilibrada para as empresas que participam do processo. A vigilância orientada sobre o governo brasileiro e a Petrobras tem impactado fortemente as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Em virtude dessa situação, a presidente Dilma Rousseff cancelou uma visita oficial aos Estados Unidos, que havia sido agendada para outubro próximo.

Pronunciamentos no contexto internacional

Navi Pillay, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, afirmou em seu discurso de abertura no Conselho de Direitos Humanos, em 9 de setembro:

” Devem ser aprovadas leis e políticas para lidar com o potencial de intrusão dramático sobre a privacidade dos indivíduos que têm sido possível graças a modernas tecnologias de comunicação . ”

Frank La Rue, o Relator Especial da ONU sobre a liberdade de expressão e opinião deixou claro o caso de uma relação direta entre o estado de vigilância, privacidade e liberdade de expressão neste último relatório ao Conselho de Direitos Humanos :

“O direito à privacidade é muitas vezes entendido como um requisito essencial para a realização do direito à liberdade de expressão. Interferência indevida na vida privada dos indivíduos pode tanto direta como indiretamente limitar o livre desenvolvimento e troca de ideias. … Uma infração a um direito pode ser ao mesmo tempo causa e consequência de uma infração sobre o outro”.

Saiba mais sobre os Princípios no site: https://pt.necessaryandproportionate.org/text

Este texto foi discutido e elaborado por membros da Lavits: Fernanda Bruno, Marta Kanashiro, Rafael Evangelista, Rodrigo Firmino, e membros do Gpopai e do TransMediar / Pimentalab: Henrique Parra e Pablo Ortellado, e Nupef: Magaly Pavello.[:es]

[:en]

Today Lavits (Latin American Network of Surveillance, Technology and Society Studies), GpopaiTransMediar / Pimentalab and Instituto Nupefoin a huge international coalition in calling upon Latin American countries to assess whether national surveillance laws and activities are in line with their international human rights obligations.

We have endorsed a set of international principles against unchecked surveillance. The 13 Principles set out for the first time an evaluative framework for assessing surveillance practices in the context of international human rights obligations.

A group of civil society organizations officially presented the 13 Principles this past Friday in Geneva at a side event attended by Navi Pillay, the United Nations High Commissioner for Human Rights and the United Nations Special Rapporteur on Freedom of Expression and Opinion, Frank LaRue, during the 24th session of the Human Rights Council. The side event was hosted by the Permanent Missions of Austria, Germany, Liechtenstein, Norway, Switzerland and Hungary.

Brazilian scenario

The problem with the proliferation of surveillance mechanisms in Brazil is broad and complex. It appears from the action of the State as a voracious collector – and lousy keeper – of personal and biometric data of citizens even in conflict, especially class disputes, within civil society itself. It is happening through devices that collect images and other data that govern access to private spaces. With the digitalization of processes, this issue has become even more complex. Recently, it was been revealed that the national electoral authority had signed an agreement that would allow access to the data of all Brazilian voters by a private credit referencing company (called Serasa and linked to the multinational Experian). The country lacks legislation to give protection to personal data stored electronically and a recent attempt to issue a bill with this purpose has been attacked by lobbyists and postponed indefinitely. At the same time, more recently, the state itself and national companies were exposed as victims of spying by the National Security Agency of the United States. Business and political leaders are poorly aware of the fragility of the security of electronic communications currently in use in the country, and public debate on the issue and its implications is still very rare and limited to academia and activists.

The launching of the “International Principles on the Application of Human Rights to Communications Surveillance” comes at a very crucial moment for Latin American countries, especially Brazil, which still has a legal vacuum regarding the protection of human rights in the context of digital communications. At least three recent important cases emphasize the urgent need to promote actions and public debate on the topics covered by these Principles: the leaked evidences that the Brazilian government and companies have been systematically targeted by spying programs of the National Security Agency of the United States; the expansion on the use of surveillance technologies and practices in order to respond to international standards demanded by the coming sporting megaevents – specially the World Cup and the Olympics; and recent cases of monitoring, surveillance and criminalization, by state governments in Brazil, of the participants of political protests started in June 2013. We highlight the importance of the notion of “protected information”, that relates to different modes of data communication, beyond the meanings of content disclosure, which can provide, today, important and sensitive information about individuals. Finally, it is worth mentioning the importance of strengthening mechanisms to ensure the protection of personal data and human rights within communication, not only against intrusions of the state, but also from commercial interests of the private sector, as well as increasingly often and complex alliances, between the state and non-state actors.

The recently revealed cases of NSA spying on nation-states has been turned into an intense debate in Brazil, specially because of evidences that high-rank members of the Brazilian government were a common target, including emails and phone calls of the President Dilma Rousseff, and the public company Petrobras (one of the most important and biggest oil companies in the world). Monitoring over Petrobras clearly demonstrates the strategic and economic use of spying practices by state agencies, like the NSA, to build obscure competitive advantages to its host states. This case was discovered just as the company was organizing the initial auction of oil reserves in 2006. Access to information about Petrobras and the auction might have influenced the bids and created an unbalanced dispute for the companies participating in the process. The targeted surveillance over the Brazilian government and Petrobras has heavily impacted the relations between Brazil and the United States. President Dilma Rousseff has even cancelled a previously scheduled official visit to the United States that was to happen next October.
Pronouncements in the international context

Navi Pillay, the United Nations High Commissioner for Human Rights, speaking at the Human Rights Council stated in her opening statement on September 9:

“Laws and policies must be adopted to address the potential for dramatic intrusion on individuals’ privacy which have been made possible by modern communications technology.”

Navi Pillay, the United Nations High Commissioner for Human Rights, speaking at the event, said that:

“technological advancements have been powerful tools for democracy by giving access to all to participate in society, but increasing use of data mining by intelligence agencies blurs lines between legitimate surveillance and arbitrary mass surveillance.”

Frank La Rue, the United Nations Special Rapporteur on Freedom of Expression and Opinion made clear the case for a direct relationship between state surveillance, privacy and freedom of expression in this latest report to the Human Rights Council:

“The right to privacy is often understood as an essential requirement for the realization of the right to freedom of expression. Undue interference with individuals’ privacy can both directly and indirectly limit the free development and exchange of ideas. … An infringement upon one right can be both the cause and consequence of an infringement upon the other.”

Speaking at the event, the UN Special Rapporteur remarked that:

“previously surveillance was carried out on targeted basis but the Internet has changed the context by providing the possibility for carrying out mass surveillance. This is the danger.”

Find out more about the Principles at https://NecessaryandProportionate.org

 

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