Comunidade acadêmica pede transparência sobre parceria entre Google e Unicamp

 

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No último dia 11/01, uma segunda-feira, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) disponibilizou o pacote de ferramentas do Google Apps for Education para docentes, alunos regulares e funcionários. De acordo com comunicado divulgado no portal da universidade, o acesso aos serviços é fruto de uma parceria com o Google. A notícia, no entanto, preocupa parte da comunidade acadêmica, já que os termos do acordo entre a empresa e a universidade não estão públicos, até a data desta publicação (20/01/15). Não se sabe qual é a política em relação ao uso de dados dos usuários e por quais instâncias a parceria tramitou.

O pacote de serviços do Google inclui Gmail, Calendário, Contatos, YouTube e Drive, com destaque para o serviço Classroom, plataforma em que docentes podem disponibilizar aulas, atividades e demais materiais didáticos para os alunos. No entanto, a Unicamp já se utiliza de tecnologias similares ao Classroom, como o TelEduc, ferramenta desenvolvida na própria universidade, que oferece um ambiente digital para a criação, participação e administração de cursos na internet, gratuito e feito em software livre.

A instituição de ensino também tem trabalhado com o Moodle, software livre e colaborativo usado em outras universidades. Ambas estão indicadas no site do Grupo Gestor de Tecnologias Educacionais da Unicamp (GGTE), que agora também indica a utilização do GoogleApps.

A coexistência das três ferramentas levantou questionamentos: “Por que teremos essas três plataformas que em princípio fazem a mesma coisa? Como a universidade vai manter as três? E como vai integrá-las?”, questiona o pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIEd), Tel Amiel. Alguns pesquisadores indagam, inclusive, se a adoção do Google Apps poderá deixar o TelEduc de escanteio.

Para a pesquisadora da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) Marta Kanashiro, que divulgou um texto apontando problemas na parceria, a adesão ao Google pode ser um tiro no pé: “São adesões que desincentivam qualquer criação de novas possibilidades”.

A parceria gerou certa surpresa, principalmente porque ela ainda não foi bem explicada e não houve debate público com a comunidade acadêmica. Ela foi oficializada no dia 30 de novembro de 2015, durante reunião do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação (ConTIC) realizada na sala do Conselho Universitário (Consu), apresentada como algo já decidido. O serviço de ferramentas já era utilizado por algumas unidades da universidade.

O que se sabe, por enquanto, é que o pacote de ferramentas do Google Apps está disponível aos interessados e para utilizá-lo é preciso ativar uma conta “@g.unicamp.br”. O login é feito com o usuário e senha já cadastrados no Sistema de Segurança (SISE) da universidade. Ao entrar no endereço https://googleapps.unicamp.br, a página exibe o logotipo da Unicamp e do Centro de Computação (CCUEC). Há um link para as normas e procedimentos para o uso dos recursos de Tecnologia da Informação e Comunicação na Unicamp, porém, até a presente data não há nenhuma menção aos termos da parceria com o Google.

No primeiro acesso, o usuário precisa aceitar os termos de serviço do Google. Esse é um dos pontos que tem sido objeto de preocupação: não é possível localizar de que maneira se estabeleceu o acordo com a universidade e sua política de proteção de dados. Ao criar uma conta no AppsForEducation, não fica claro como funciona o processo de adesão da comunidade ao serviço e se este não se sobrepõe às próprias diretrizes da universidade.

Marta Kanashiro aponta, em seu texto, problemas em relação ao processo. Ao logar no sistema, ela descreve a dificuldade em encontrar mais informações: “… o Google avisa que, se você quiser saber mais sobre, pode clicar neste link, que, claro leva a outro link e a outros sucessivamente, como uma boneca russa infinita de acordos aos quais passamos a estar submetidos”. A dúvida é compartilhada pelo pesquisador Tel Amiel: “Como é essa troca de dados [entre Google e Unicamp]? Por que isso não está claro nas páginas da universidade?”, indaga.

EFF acusa Google de fazer mineração de dados de alunos

O problema em relação à proteção de dados fica ainda mais claro quando o cenário internacional é analisado. De acordo com a National Public Radio (NPR), mais da metade dos computadores em sala de aula adquiridos pelas escolas dos Estados Unidos são Chromebooks, computadores do Google. Cerca de 50 milhões de estudantes, professores e administradores usam o Google Apps for Education.

Apesar de o software ser gratuito, a Electronic Frontier Foundation (EFF), organização sem fins lucrativos que declara ter como objetivo proteger a liberdade de expressão na era digital, afirma que existe um “custo oculto”: mineração de dados que pode comprometer a privacidade dos alunos.

A EFF apresentou uma queixa à Comissão Federal de Comércio (Federal Trade Commission) acusando o Google de violar um acordo chamado Student Privacy Pledge, assinado por 200 empresas, com o intuito de resguardar a privacidade de alunos em relação à coleta, manutenção e uso de informações pessoais dos estudantes. O acordo prevê uma série de medidas neste sentido, como: não vender informações de alunos; impor limites rígidos sobre a retenção de dados; ser transparente sobre a coleta e uso de dados; não alterar as políticas de privacidade sem aviso prévio etc.

Em sua página, o Google diz que “os anúncios ficam desativados nos serviços do Google Apps for Education em todos os domínios EDU. Os usuários do Google Apps for Education em escolas do ensino infantil ao médio não verão anúncios ao usar a Pesquisa do Google depois de fazer login nas contas do Google Apps for Education”. Fica a dúvida: essa política é adotada também para alunos de ensino superior? Ainda não se sabe se a Unicamp chegou a discutir sobre a proteção de dados na tramitação do acordo.

Ainda segundo a NPR, o Google parou de coletar dados dos estudantes para fins publicitários em 2014, depois de uma ação judicial na Califórnia ter questionado a prática. Mas a preocupação da Electronic Frontier Foundation é em relação aos serviços do pacote que não são tão essenciais, como os sites do Blogger, Maps e YouTube. A EFF diz que quando os alunos são registrados em suas contas do Google, que estão associados com seus nomes reais e escolas, a empresa está coletando seus dados para melhorar os seus produtos. E quando os alunos estão em Chromebooks usando Chrome, o Google pode ser capaz de ver todo o seu histórico de navegação.

Pensando no cenário acadêmico, a política de utilização de dados parece ainda mais nebulosa. Não se trata de ser contra ou a favor do Google, mas sim de pensar e discutir sobre a utilização de suas ferramentas e suas implicações. “É necessário ainda mirar a segurança de dados da comunidade acadêmica, e o movimento de arregimentação de forças para criar soluções tecnológicas (que não importem simplesmente soluções tidas como prontas – como aliás as universidades já fizeram incorporando, por exemplo, um modelo de segurança privada no campus)”, destaca Marta Kanashiro em seu texto.

A Lavits entrou em contato com a assessoria de imprensa da Unicamp e pediu acesso aos termos do acordo firmado entre Google e a universidade, bem como a política de proteção de dados dos usuários, mas ainda não obteve retorno. A matéria será atualizada com novos posicionamentos.

ATUALIZAÇÃO:  Após matéria da Lavits, Unicamp divulga “políticas de privacidade” sobre acordo com o Google

ATUALIZAÇÃO 2: No dia 21/01 a assessoria de imprensa da Unicamp enviou para a Lavits a seguinte nota:

“Nota da Unicamp

Atendendo à sua solicitação informamos o seguinte:
A escolha da Google pela Unicamp seguiu o princípio de estabelecer mais um recurso de apoio ao ensino. No caso, o aplicativo “Classroom”.
A diversidade de áreas de ensino e pesquisa e os diferentes níveis de conhecimento de tecnologia sugere que a Universidade deve colocar a disposição do corpo docente o maior número possível de recursos tecnológicos de apoio às aulas. Cabe ao docente, ou a grupo de docentes, escolher o recurso que lhe for mais adequado.
Atualmente, o docente pode escolher entre o “Teleduc”, o “Moodle”, e o “Classroom”.

Os termos de adesão ao “Google Applications for Education” estão disponíveis endereço: https://www.google.com/apps/intl/pt-BR/terms/education_terms.html.
Qualquer escola que pretende dispor destes recursos pode cadastrar seu domínio a partir deste mesmo endereço. Alguns termos que incluem condições de pagamento não de aplicam no caso da Unicamp.

A adesão da Universidade ao “Google Applications for Education” é a disponibilização do “Classroom”. Neste sentido, no domínio “g.unicamp.br” o seu principal conteúdo, de aulas, seja público.
Ao fazer uso das ferramentas, o usuário tem ciência de suas responsabilidades como usuário da Unicamp e que está de acordo com a política de privacidade da Google.
A universidade garante a manutenção da existência de todos os recursos institucionais hospedados em seus sistemas.

Já o uso de outras ferramentas inerentes ao pacote, como Gmail, agenda, vídeos, etc., assim como o uso de todos recursos disponíveis no domínio “unicamp.br”, é regulamentado pela GR 052/2012.
Neste contexto, destacamos nesta resolução, o capítulo I – Das Normas de Uso e Segurança dos Recursos Computacionais e o Capítulo V – Da Privacidade de Comunicação Eletrônica e Arquivos de Computadores.

Além deste regulamento interno, a própria Google oferece e expõe em https://www.google.com/intl/pt-BR/policies/privacy/ (ou em https://www.google.com/policies/privacy/) a sua política de privacidade.

Campinas, 21 de janeiro de 2016.”

Por Sarah Schmidt

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