Uso intensivo, a questão do vício e a Economia da Atenção nas redes sociais, com Anna Bentes

Em entrevista à jornalista Carol Nalin para O Globo, Anna Bentes discorreu sobre o uso intensivo de redes sociais pelos jovens e as relações entre estratégias de engajamento das plataformas e a Economia da Atenção. Parte da conversa pode ser conferida na matéria Entenda por que o algoritmo do TikTok app é tão viciante, publicada aqui.

A entrevista parte da notícia de que o TikTok ultrapassou o YouTube em tempo médio gasto por usuário nos Estados Unidos e no Reino Unido e do questionamento da jornalista: seria o algoritmo do TikTok mais “viciante”? Bentes, que pesquisou o Instagram durante o mestrado, repercute a notícia para analisar os mecanismos de captura de atenção, o conceito de Economia da Atenção e o método de “enganchar e engajar”, utilizado não só pelo TikTok, mas também pelas principais plataformas para reter pessoas usuárias em suas redes. Confira abaixo a íntegra da entrevista.

 

Carol Nalin: Segundo relatório da AppAnnie, o TikTok ultrapassou o YouTube em tempo médio mensal gasto por usuário nos Estados Unidos e no Reino Unido. Em maio de 2021, o usuário médio passava 24,5 horas por mês no TikTok nos EUA contra 22h gastas no YouTube. No Reino Unido, são quase 26 horas no TikTok contra 16 horas no YouTube. O algoritmo do TikTok é mesmo mais “viciante”? Por que essa rede social atrai tanto os usuários, sobretudo os mais jovens?

Anna Bentes: Para responder sua pergunta precisamos considerar algumas coisas antes. Todas as redes sociais funcionam hoje sob uma lógica do que vem sendo chamado de Economia da Atenção, que envolve uma disputa econômica pela atenção nesse contexto marcado por um excesso de informações e de conteúdos. Nas redes sociais, essa lógica de disputa pela atenção atravessa dois níveis: o primeiro é a disputa entre as  próprias empresas e plataformas, que concorrem entre si pelo tempo e atenção dos usuários e também com nossas outras atividades. Uma fala que costumo lembrar é aquela do CEO da Netflix quando perguntaram para ele quem eram os grandes competidores da plataforma e ele disse que era o sono. Então, as plataformas disputam entre elas e também com as outras coisas que fazemos na nossa vida útil e acordada. Nesse nível, as plataformas e, sobretudo, as redes sociais que possuem um modelo de negócios baseado em publicidade, dependem que você passe o mais tempo possível ali, pois é assim que elas acumulam maior volume de dados e permitem que o usuário esteja mais exposto aos anúncios, que efetivamente são aquilo que vai dar mais dinheiro para elas.
O segundo nível dessa disputa de atenção é aquela entre os próprios usuários, ou seja, quem ganha mais seguidores, mais visualizações, produz mais engajamento etc. Nesse nível, é preciso considerar que uma série de fatores culturais, sociais, tecnológicos, históricos, entre outros, vieram transformando nas últimas décadas nossa subjetividade. E o regime de subjetividade e as formas culturais que se consolidaram valorizam, cada vez mais, a visibilidade: quanto mais alguém é visível, é mais admirado, é mais bem-sucedido etc. Então, ser objeto da atenção do outro é muito importante e isso nutre um modo de agir socialmente que é mediado pelas plataformas.
O que eu quero ressaltar com isso é que o fato das pessoas estarem cada vez mais enganchadas nessas plataformas não pode ser visto apenas como um resultado do investimento das empresas em técnicas persuasivas para capturar a sua atenção e, em última instância, te viciar. O fato de estarmos enganchados tem a ver também com mudanças mais amplas históricas, sociais, subjetivas e culturais que vão atribuindo valor a esses modos de socialização.

Em suma, sem uma pesquisa específica sobre a plataforma Tik Tok e suas funcionalidades, não posso afirmar se ele é mais viciante ou não, mas posso dizer que, a princípio, ele está seguindo um caminho muito parecido com as outras plataformas, disponibilizando recursos para operar nesses dois níveis que mencionei e no qual operam a economia da atenção atual. 

Sobre a sua dúvida a respeito do porquê as pessoas mais jovens estão acessando mais o Tik Tok e não outras plataformas, esses dois níveis também precisam ser considerados. Em relação ao primeiro, uma hipótese que podemos especular é que possivelmente pessoas mais jovens estão mais vulneráveis aos mecanismos psicológicos persuasivos das plataformas. Por isso, elas estariam mais susceptíveis a serem influenciadas a se manter ali dentro, mas estariam igualmente em outras plataformas.

Um segundo aspecto é que, na nossa história recente, pelo menos desde a década de 1960 quando começou a se construir um tipo de cultura e um mercado de consumo voltados para juventude, ser jovem passou a implicar ter alguma marca de diferença em relação às gerações mais velhas. E o mercado se aproveitou e continua se aproveitando disso, criando produtos específicos para jovens dentro e fora do mundo digital.

Eu não sou da geração Z, sou uma millenial e, por isso, acompanhei o surgimento e crescimento das redes sociais como Facebook e Instagram. Quando elas surgiram eram uma coisa para os jovens. Eu lembro bem de compartilhar um post no Facebook quando a minha avó entrou na rede social e, provavelmente, ali para mim ela entrou em decadência. Então, hoje, se todos os adultos da geração anterior estão no Facebook, Instagram e Twitter, os jovens das novas gerações provavelmente não querem estar nesses lugares, querem construir seus próprios espaços. 

Outro fator que corrobora essa perspectiva é que as redes sociais implicam uma exposição muito grande e sobretudo dos jovens. E eles, desde muito cedo, estão aprendendo as “etiquetas sociais” de como se portar em uma rede social. Mas, como eles ainda estão se conhecendo, testando seus limites, conhecendo sua personalidade, construindo sua identidade pública e privada, para eles, não é bom estar num espaço onde podem ser constantemente vigiados pelos pais e, assim, sofrer certas censuras e objeções.
Então, acho que esses são alguns pontos que, ao meu ver, nos ajudam a entender porque os jovens estão mais no Tik Tok e não em outra rede social. Hoje pode ser o Tik Tok, mas amanhã os jovens da geração seguinte podem estar em outro app.

 

Carol Nalin: Quais dispositivos dentro do app ajudam a causar esse “vício”? (ex.: barra de rolagem infinita, recomendações muito bem segmentadas…?) Tem algo que o TikTok faz de diferente em comparação com as outras redes sociais?

Anna Bentes: Essa é uma pergunta muito importante. Atualmente, estão crescendo os estudos voltados para entender os mecanismos psicológicos que estão sendo explorados em plataformas digitais e também sobre quais são as referências teóricas que embasam essas técnicas. Esse é um dos interesses do projeto Economia Psíquica dos Algoritmos que a gente vem realizando no MediaLab.UFRJ. 

Antes de falar dos mecanismos propriamente ditos queria ressaltar uma coisa. Como eu disse antes, essas plataformas dependem que os usuários passem o máximo de tempo possível enganchados e engajados, pois é assim que eles acumulam dados e expõe os usuários aos anúncios. Portanto, eles precisam criar mecanismos que garantam não apenas que o usuário acesse pontualmente a plataforma, mas que o usuário retorne a ela com frequência, ou seja, eles precisam formar hábitos de uso. Esse é um fator diferencial em produtos digitais. 

E a fronteira entre hábito e vício pode ser muito tênue e pode ser diferente para cada um. Os mecanismos usados para formar hábitos, provavelmente, são os mesmos que podem nos viciar. Vou destacar aqui dois que encontramos amplamente em diferentes plataformas. 

1. Gatilhos ou estímulos: qualquer tipo de notificação visual ou sonora que capture sua atenção para te levar para dentro da plataforma. Estes são extremamente irritantes e irresistíveis de olhar e prejudicam imensamente nosso foco em outras atividades. E com o tempo, o que algumas pesquisas têm mostrado é que quanto mais somos interrompidos externamente, mais tendemos a nos auto interromper. Quanto mais usamos as plataformas, formamos esses hábitos, mais a gente associa certos sentimentos ou estados emocionais a entrar na plataforma. Por exemplo, o tédio virou algo praticamente insuportável para nós usuários das redes sociais. A gente não pode estar em uma fila, num sinal (mesmo dirigindo) ou qualquer outra atividade que demande espera que a gente imediatamente saca o celular e dá aquela conferida nas mensagens.

2. Recompensas variáveis: envolvem mecanismos baseados em princípios da psicologia behaviorista que afirmam que, se as recompensas variam – ou seja, ora você é recompensado e ora você não é, portanto, é um processo intermitente – você tende a aumentar consideravelmente a frequência daquele comportamento. Então, toda a vez que você acessa uma rede social você não sabe o que vai ter ali: pode ter uma mensagem do crush, pode ter uma chuva de likes em uma postagem, mas não pode ter absolutamente nada. Essa variabilidade entre algo que você queria ver e nada é um mecanismo considerado extremamente viciante pelos críticos da Economia da Atenção. É algo muito parecido com a máquina de caça níquel. Todos os feeds funcionam assim, trata-se daquele mecanismo chamado em inglês de “pull do refresh”, que coincidentemente é quase uma mimese do gesto de apertar a alavanca do caça níquel.

É claro que existem diversos outros: os mecanismos de personalização de conteúdos, que se baseiam no monitoramento ininterrupto dos seus dados; a exploração de certos vieses cognitivos, emocionais e comportamentais tanto por meio de recomendações personalizadas quanto por elementos do design da plataforma; os próprios likes, que são recompensas sociais e que despertam muitíssimo interesse dos usuários em checar as plataformas; os mecanismos de autoplay que exploram um viés na economia comportamental chamado “viés do status quo” que diz que tendemos a permanecer na inércia de uma atividade; enfim, são diversos, alguns mais persuasivos do que outros e uns mais viciantes do que outros. 

Alguns desses mecanismos vêm sendo chamados de Dark patterns, que seriam esses padrões em design da plataforma que exploram truques psicológicos e formas de enganar o usuário em prol do lucro da plataforma. 

 

Carol Nalin: É possível dizer quais são as principais diferenças entre os sistemas de recomendação e o modelo de negócio do TikTok frente ao Facebook ou YouTube? É algo como “o Facebook ganha mais com publicidade e utiliza no algoritmo o que os seus amigos também curtiram pra determinar o seu conteúdo, daí faz sentido ir alternando os conteúdos oferecidos ao usuário, enquanto no TikTok é ficar lá e ficar lá”? Ou não é bem assim?

Anna Bentes: Não tenho uma pesquisa sistematizada sobre o Tik tok para investigar particularidades em relação a outras plataformas, mas existem as diferenças conhecidas nas funcionalidades como novas formas de editar imagem e som e também nos modos de uso. 

Apesar das diferenças, acho que essas plataformas têm muito mais coisa em comum em seus algoritmos e modelos de negócio do que possa se pensar. Claro que cada uma das grandes plataformas, sobretudo as maiores que são Google, Facebook, Amazon, Apple, Microsoft, possuem certas nuances nos seus modelos de negócio e também no funcionamento de seus mecanismos tecnológicos. Cada uma delas mantém formas diversificadas de capitalização: por exemplo, a Amazon e a Apple vendem produtos físicos, enquanto a Google e o Facebook trabalham basicamente com o modelo de publicidade. A Amazon e a Apple têm mecanismos de assinatura, como Prime Videos e o iCloud. 

Todas essas big techs crescem exponencialmente e um dos motivos é, sem dúvidas, porque elas souberam reduzir a competitividade ao comprar serviços menores e/ou incorporá-los em sua empresa. Por exemplo, Facebook comprando o Instagram e o WhatsApp. O Google também comprou diversas outras startups menores ao longo de sua história. Não à toa, várias delas estão sendo acusadas de prática de monopólio. Quando não dá certo comprar empresas menores, já vimos as plataformas copiarem os mecanismos populares de outras plataformas, como foi o caso do Instagram com o Snapchat, que deu origem aos stories, e está sendo agora com o Tik Tok e a criação do reels. 

E o que elas têm em comum e que as insere em uma lógica chamada hoje de capitalismo de vigilância é o fato de utilizarem dados e sistemas automatizados de inteligência artificial e ciência de dados para produção de conhecimento estratégico a fim de prever e modificar comportamentos em tempo real. Os dados não têm valor em si mesmos. A produção de valor acontece a partir do tratamento e da análise e do potencial de utilizar esse conhecimento para diversas finalidades: desde a personalização de conteúdos, a otimização dos próprios serviços, a geração de insights e criação de estratégias de mercado, etc. 

Os algoritmos de inteligência artificial – que são importantes personagens na geração de valor por essas empresas, pois são aquilo que permite efetivamente processar esse imenso volume de dados e assim tornar visível, inteligível e operacionalizável padrões de comportamento – só funcionam bem com imensos volumes de dados. Por isso, cada uma dessas empresas busca ininterruptamente diversificar suas fontes de extração de dados e atualizá-los indefinidamente. 

Eu não estudei a fundo o TikTok especificamente e nem tenho experiência como usuária, mas ele está certamente nessa lógica do capitalismo de vigilância. A plataforma vem investindo pesado e usando essa estratégia de recompensas até mesmo financeiras para começar a levar usuários lá para dentro. 

 

Carol Nalin: O que parece estar por trás dessas decisões das plataformas dos EUA (Instagram Reels, Netflix Fast Laughs, Ideas Pins do Pinterest…),  de  implementarem recursos para vídeos curtos nas suas plataformas, tal qual o app chinês TikTok?

Anna Bentes: Bem, tem dois principais fatores que eu vejo nesse movimento. O primeiro é comercial/econômico. Creio que isso é a boa e velha competitividade do capitalismo. Essas plataformas estão vendo o Tik Tok crescer e estão preocupadas dele roubar o seu público, por isso, inferem que o público estariam interessado nesses tipos de mecanismos e os reproduzem, apostando que, caso tenham aqueles recursos ali, provavelmente seus usuários não deixariam de usar o seu serviço e migrar para o outro. 

O que é uma estratégia, a meu ver, parcialmente eficaz. Por exemplo, a gente viu, em 2016, o Instagram praticamente copiar o Snapchat ao lançar os stories depois de uma tentativa não sucedida de tentar comprá-lo. E de fato, o Stories deu muito certo. Ele aumentou consideravelmente o número de usuários no Instagram e o tempo de uso do app. Apesar disso, o Snapchat continuou existindo entre os jovens, talvez não com a mesma força, não ao ponto de roubar o mercado do Instagram, mas continua existindo. 

Mas eu vi muitos usuários postando algo do tipo “Instagram, se eu quisesse estar no Tik Tok, eu iria para o Tik Tok” como uma espécie de protesto à incorporação dessas ferramentas. Porém, o que eu acho que essas pessoas não entenderam é que o que o Instagram quer com isso não é apenas evitar que seus usuários ativos migrem para o Tik Tok, mas ele quer levar os usuários do Tik Tok para o Instagram. Acho que com esse gesto as plataformas não estão apenas preocupadas em perder os usuários que elas já têm – pois elas sabem que, uma vez ali dentro, é difícil que os usuários saiam dali para um outro serviço como substituto – mas, minha leitura é que esse gesto tem mais a ver em não deixar que novos usuários irem direto para a rede social concorrente. As pessoas podem usar também o serviço concorrente e, claro que, a longo prazo, o Instagram pode ir perdendo público, mas a preocupação principal acho que é não deixar acontecer em parte aconteceu com o Facebook que é ter se tornado um lugar “de velho”. Os jovens já não usam mais o Facebook, o que para a plataforma a longo prazo é uma sentença de morte com dia e hora marcados. 

O segundo fator envolve mudanças subjetivas e culturais mais amplas. A incorporação desses recursos tem a ver com algo que eu disse no início sobre a cultura ter se tornado extremamente visual e termos a visibilidade, constantemente editada por ferramentas de redes sociais, como um importante fator de pertencimento social. Em certo sentido, o próprio Instagram e outras plataformas já estavam caminhando nessa direção e não há nada tão inovador no Tik Tok nesse sentido. O que ele traz é de fato ferramentas, possivelmente, mais fáceis de usar para editar vídeos, profissionalizando ainda mais os vídeos amadores dos stories e do feed do Instagram. 

No início da internet, antes das redes sociais se popularizarem, quando ainda víamos muito presente a lógica do blog como um espaço de exposição pessoal, os blogs foram frequentemente interpretados como novos tipos de diários íntimos. Essa interpretação via aquilo que antes a gente fazia em espaços privados deslocando-se para os olhos públicos,  como se a gente tivesse apenas fazendo algo que fazíamos antes em um espaço diferente.

Mas essa leitura já mudou muito. Hoje sabemos que muito do que é mostrado nas redes sociais não são necessariamente representações fiéis da realidade, o que não significa que é uma mentira o que está ali. O que está ali nem sempre segue critérios de verdade e mentira, mas sim de performatividade, ou seja, se os conteúdos são mais ou menos editado, pousado, interpretado. Claro que se a gente discute o fenômeno das fake news e da desinformação é um pouco mais complexo, mas a performatividade é uma espécie de termômetro subjetivo muito valorizado: se uma determinado conteúdo alcançou muitos likes, compartilhamentos e visualizações. E muitas vezes, nesses espaços, a performatividade é avaliada pela aparência de espontaneidade e de autenticidade de uma ação, mesmo que todo mundo saiba que aquele conteúdo tenha sido cuidadosamente editado, pensado e tratado. A gente não posta mais qualquer coisa. A gente sabe que pode ser cancelado, sabe o que pode dar mais ou menos like…

Na minha pesquisa do mestrado, eu chamei essa subjetividade que vem se consolidando nas redes sociais de “selfie influencer” para denominar esse eu empreendedor de si que se expõe, espetaculariza a sua vida, suas conquistas e sucessos e que é ao mesmo tempo artista, curador, produtor e espectador da sua própria imagem. 

E a meu ver, o Tik Tok reforça algumas dessas lógicas, mas apostando em reforçar algumas direções específicas: já não está focando tanto na espontaneidade, na exposição da intimidade, algo que o Instagram trouxe demais com os Stories. Quando o Instagram lançou os Stories em 2016 ele diz que, com esta então nova funcionalidade, você poderia compartilhar não apenas os momentos importantes mas também “tudo entre eles”. O Tik Tok aposta menos nesse usuário que se expõe do que no usuário como produtor de conteúdo que está se profissionalizando. Porém, é uma espécie de “profissionalização de não profissionais” que está aperfeiçoando sua habilidade de edição de vídeo e de efetivamente ter um conteúdo pensado, planejado, editado, ao alcance de pessoas não-profissionais. 

 

Carol Nalin: Quais as consequências desse uso desenfreado do TikTok e do YouTube pelos usuários, sobretudo crianças e adolescentes? Nessa semana, adolescente de 16 anos, filho da cantora Walkyria Santos tirou a própria vida após receber ataques no TikTok.

Anna Bentes: Esse é um tema complexo. Já existem algumas pesquisas que relacionam, por exemplo, o aumento do uso de redes sociais e taxas de ansiedade, depressão e outros transtornos entre jovens. E essas taxas envolvem diversas camadas e questões a respeito do uso dessas redes sociais. 

Uma delas é a questão da autoimagem. Pois, como estávamos dizendo, as pessoas sabem o que estão compartilhando e, na maioria das vezes, é a melhor versão de si, ou apenas uma boa versão de si. Quando você consome esse tipo de conteúdo de forma continuada, ainda mais jovens que estão em fase de amadurecimento, você passa a ter a impressão de que a vida das pessoas é incrível, maravilhosa, elas são bonitas, magras, saudáveis, ricas. Você produz um sentimento de comparação e uma sensação de estar sempre aquém de tudo isso. 

Outra coisa, é essa cultura do cancelamento ou de ciberbullying que é extremamente nociva para todas as idades. Por permitirem que você esteja se comunicando com alguém que você não conhece, que não está olhando para a cara da pessoa, ter a possibilidade de editar a mensagem etc, parece que as redes sociais diminuem certas barreiras para as pessoas falarem exatamente aquilo que lhes vem à mente. Claro que, com isso, ganhamos um imenso potencial de liberdade de expressão, mas também liberdade de expressão não significa poder falar qualquer coisa em qualquer momento. A sua liberdade de se expressar não pode ferir a liberdade do outro. E ouvir certas coisas dói, não é fácil. Não é qualquer um que sabe lidar com críticas, com rejeição social. 

Por fim, algo que é preocupante é que são os mecanismos viciantes. Se até a geração que viveu fora desses espaços de sociabilidade está tendo dificuldades com isso, imagina para as gerações cuja referência é apenas esses modos de sociabilidade online. E acho que isso ainda pode trazer impactos sociais e subjetivos ainda não previstos. Fora todos os efeitos em nossos regimes atencionais e a relação com o aumento de medicamentos para otimizar a performance. 

Esses são apenas alguns exemplos. 

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