Rafael Evangelista fala sobre a possível compra do Twitter por Elon Musk

No dia 25 de abril, Elon Musk anunciou a compra do Twitter por 44 bilhões de dólares. Em entrevista à Lavits, Rafael Evangelista discorre sobre o significado os possíveis efeitos da venda do Twitter ao bilionário.

Lavits: Em uma primeira visada, o que significa aquisição do Twitter pelo Elon Musk? 

Rafael Evangelista: Um primeiro aspecto curioso é que não parece ter muita lógica econômica esse movimento que o Musk fez. Porque o Twitter é uma empresa que historicamente tem dado prejuízo, a não ser que ele tenha alguma estratégia prévia ou que ele, ao assumir, consiga destravar algumas questões no sentido de aumentar a potencialidade de lucratividade. É uma questão abstrata ainda, porque ele não comentou nada neste sentido. Então, eu acho que esse é um ponto interessante, porque fica parecendo que é um capricho de um milionário que tem tanto dinheiro que consegue jogar essa quantia num negócio. Como se não estivesse se importando muito se está perdendo ou ganhando. O que, aliás, é um fato que por si só já é sinal de uma indústria altamente disfuncional. 

 

Lavits: No anúncio da compra, Musk apontou a intenção de promover três grandes mudanças na plataforma: a redução da moderação; a autenticação dos usuários; e a transparência do algoritmo. Quais efeitos essas mudanças podem causar no Twitter. E o que elas podem significar na dinâmica e estrutura de outras plataformas?

RE: Sobre a redução da moderação, me parece que já teve o efeito de atrair de volta para a plataforma alguns usuários que estavam fora, que não estavam nela porque estavam buscando plataformas alternativas para a extrema-direita. Não sei medir o tamanho desse público, mas eu acho que há um movimento aí. E teve a informação sobre o aumento do número de seguidores do Bolsonaro e de figuras do bolsonarismo. Algumas pessoas levantaram a hipótese de que esse aumento de seguidores significaria a criação de novos usuários, de robôs. Ou seja, anunciando que a rede seria um território bom, um território fértil para continuar o tipo de manipulação do debate público que acontece nela: para tentar emplacar trend topics, pautar o debate, essas coisas. Então, por um lado, pode ser que tenha um aumento de usuários envolvendo usuários que estavam em outras plataformas e agora estão voltando para o Twitter. Ao mesmo tempo, pode ser que sejam usuários falsos, robôs, que voltaram a ser criados porque a extrema-direita está cogitando voltar a usar a plataforma. 

De qualquer forma, moderação no Twitter nunca foi uma maravilha. Sempre foi ruim, ela sempre foi muito tímida. Isso é ainda pior para os países do Sul Global. Cito um exemplo: o Twitter nos Estados Unidos já tinha há bastante tempo um botão que você poderia usar para denunciar desinformação e, em especial, a desinformação relacionada à covid. E o Twitter brasileiro só foi ter isso muito tempo depois. (O Twitter lançou em 17 de agosto de 2021 o recurso para usuários nos EUA, Coreia do Sul e Austrália; no Brasil, a ferramenta só ficou disponível cinco meses depois, em 17 de janeiro de 2022) Então, essa moderação do Twitter nunca foi boa, ela sempre foi muito mais pra inglês ver. A questão de retirar o perfil do Trump, por exemplo. A iniciativa tem um impacto grande em termos de relações públicas, mas não implica que o Twitter esteja efetivamente banindo todos os perfis mentirosos que ocupam a rede. 

Sobre a questão  da autenticação dos usuários, esse ponto eu acho super complexo. Porque a autenticacão não necessariamente envolve a redução no número de pseudônimos que um usuário pode utilizar. Eventualmente, a plataforma pode fazer uma autenticação central e liberar que você tenha pseudônimos, que você possa trabalhar com pseudônimos.  É curioso porque essa demanda de um usuário ‘real’, de um usuário identificado é, inclusive, uma demanda que estava no nascimento do PL2630, e que depois acabou sendo derrubada. Mas essa era uma ambição dos deputados, era a ambição de conseguir, de fato, prender exatamente a pessoa física que veiculou alguma desinformação sobre eles [os deputados]. Isso foi dito nas audiências da CPMI das fake news. Mas esse é um ponto complicado porque a informação da identidade das pessoas vai estar em algum lugar e essa informação pode ser utilizada potencialmente em outros momentos e para diversos fins. Então, o usuário ou fica refém da empresa que sabe quem é ele, que uma determinada pessoa está utilizando vários perfis, e assim por diante. Ou essa informação pode ser requisitada por governos, o que pode ser um problema, por exemplo, para denunciantes, ativistas, etc. 

Então, esse é um problema complicado para a liberdade política. E é um problema complicado também se a gente pensar num nível mais cotidiano. Vamos supor um usuário que é de uma cidade pequena, super moralista, super-repressiva. E vamos supor que ele utilize o Twitter com vários perfis. Por exemplo, um perfil identificado e um outro perfil no qual ele pode se expressar com mais liberdade, que ele pode estabelecer contatos com outras pessoas, envolvendo algo que ele gostaria de esconder das pessoas da sua cidade. Aqui, a gente pode pensar tanto em um lugar mais conservador com relação a costumes, mas também pode ser com relação a ligações políticas. E a informação da identidade da pessoa, assim, estaria na mão de uma empresa. Eventualmente, e há vários casos concretos, as empresas estão sujeitas a vazamentos de informações. Muitas vezes, até mesmo, por funcionários da ponta. Então, a autenticação pode parecer uma solução boa e mágica, mas ela aponta para uma internet mais controlada, com menores espaços de liberdade.

 

Lavits: Por fim, há a questão da transparência do algoritmo…

RE: Esse ponto é bem interessante. E até faz sentido levando em conta o ponto de vista que ele vem defendendo. Ele está defendendo um ponto de vista de liberdade irrestrita de informação e de expressão. Ele está pensando em uma rede em que pode existir vários Monarks da vida. Uma rede bem permissiva a esse tipo de usuário (como o Monark). Então, mostrar o quanto a timeline de um determinado usuário está sendo construída por um determinado algoritmo não é contraditório com essa ideia libertária de liberdade irrestrita. Embora isso tenha implicações comerciais também, obviamente. 

Então, talvez ele esteja tendo um impulso muito mais ligado à vontade dele de ter um brinquedinho de comunicação do que efetivamente esteja pensando em interesses comerciais sobre a rede. O que acaba tendo um efeito colateral potencialmente positivo que é a abertura transparente do algoritmo. Vamos dizer que pode ser uma feliz coincidência. Agora temos que levar em conta o que eu estava falando no começo. Ou seja, o quanto não parece fazer muito sentido econômico a compra do Twitter pelo Musk. Mas, se pensarmos a maneira como as elites se comportam historicamente com relação aos meios de comunicação, a compra faz sentido. Porque o Jeff Bezos comprou um jornal grande, o Washington Post. É um movimento que, me parece, vai no interesse desses bilionários de ir além do poder econômico e também ‘comprar’ a influência política. Que é um movimento que a gente observa em toda cidade pequena, inclusive. Ou seja, um sujeito fica rico e, logo após, ele compra ou monta um jornal na cidade para ele dirigir. Assim me parece também nessa outra dimensão e escala. Muitas vezes, os jornais não dão lucro, mas eles trazem influência política. As elites utilizam um veículo de comunicação porque ele é um meio para tráfico de influência política. 

Então, talvez a gente esteja vendo um movimento parecido com isso, mas em uma plataforma e rede social. Especialmente se levarmos em conto o que o Twitter se tornou. Talvez até menos no Brasil, mas o Twitter se tornou no Norte Global em um espaço de presença das figuras de mídia, dos intelectuais e, principalmente, dos jornalistas. O Twitter é um espaço de debate público, muito mais do que outras plataformas, como o Instagram ou o YouTube. O Twitter é uma plataforma de influência política. 

 

Lavits: Por fim, como essa aquisição se insere no cenário de oligopolização da internet e de concentração da circulação de informações?

RE: Sobre o cenário de oligopolização, é também um fato curioso, porque não é um movimento de consolidação das Big Techs. Por exemplo, não é o Google comprando o Twitter, ou o Facebook comprando Twitter, ou a Amazon comprando o Twitter, etc. É um movimento curioso porque ou é a entrada desse bilionário no ramo da influência política mais direta, ou é uma entrada que talvez tenha algum potencial econômico que ele esteja enxergando, e que, talvez, tenha impactos profundos sobre que é essa rede social. No mais, talvez seja importante a gente lembrar o fato que o Twitter é uma das várias redes sociais. As pessoas às vezes têm uma reação muito dramática de quase igualar uma plataforma à própria internet. E não é! 

A gente precisa olhar para o Twitter historicamente. De fato, a plataforma acumulou muita influência política e é um hub central no debate político global. Mas talvez isso não seja pra sempre. O que quero dizer: me parece mais válido a gente pensar o cenário das plataformas há uns dez anos atrás, em que tudo aparecia e sumia de forma muito mais rápida. Entretanto, agora a gente já está há uns dez anos com as mesmas redes mantendo a sua influência. Talvez o Twitter até esteja recuperando um pouco da sua influência, já que o Facebook me parece estar numa posição, ainda que lenta e gradativamente, de perda da influência e de uso. Enfim, é uma questão contraditória e ainda um processo em aberto e em disputa.



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